É possível amar sem apego?
Primeiro de tudo, nós achamos que o amor e o apego significam a mesma coisa. Mas precisamos compreender que o apego é nossa parte necessitada, neurótica e insatisfeita que anseia por alguém lá fora, acreditando que quando chegarmos a esse alguém, nós estaremos felizes.
O amor, por outro lado, refere-se a uma parte altruísta do nosso ser - uma conexão com os outros, desejo que eles sejam felizes, e deliciar-se com o seu bem-estar. Temos esses dois, é claro, mas é difícil ver a diferença. Eles são como leite e água misturados. Se há alguma alegria em nosso relacionamento, é por causa do amor. Se há raiva, mágoa, inveja e todo o resto, é o resultado do apego. Mas é tão difícil ver isso.
O apego é uma palavra tão simples, mas é multi-facetada. No nível mais fundamental é aquele sentimento de carência dentro de nós; aquela crença que de alguma forma eu não sou o suficiente, eu não tenho o suficiente, e não importa o que eu faço ou o que eu tenho, nunca é suficiente. Então, é claro, porque estamos tão convencidos que isso é verdade, nós ansiamos por alguém lá fora, e quando encontramos esse alguém que aciona os nossos bons sentimentos, nós nos apegamos na ideia de te-los para nós, convencidos que vão preencher nossas necessidades e nos fazer verdadeiramente felizes e contentes. Nós assumimos que eles são nossa posse, quase uma extensão de quem nós somos.
"O apego diz: eu te amo, por isso eu quero que você me faça feliz. E o amor genuíno diz: eu te amo, por isso quero que você seja feliz. Se isso me incluir, ótimo! Se não me incluir, eu só quero a sua felicidade. Sabe, o apego é como segurar com bastante força. Mas o amor genuíno é como segurar com muita gentileza, nutrindo, mas deixando que as coisas fluam. Não é ficar preso com força. Porém é muito difícil para as pessoas entenderem isso, porque elas pensam que quanto mais elas se agarram a alguém, mais isso demonstra que elas se importam com o outro.
Qualquer tipo de relacionamento no qual imaginamos que poderemos ser preenchidos pelo outro será certamente muito complicado. Quanto mais agarrarmos o outro com força, mais nós sofreremos."
—Jetsunma Tenzin Palmo
A fonte de infelicidade
Esse apego é a fonte de todas as outras nossas emoções infelizes. Porque ele está desesperado para conseguir o que quer, no minuto em que não consegue - o momento em que ele não liga ou chega em casa tarde, ou olha para outra pessoa - o pânico surge e imediatamente se transforma em raiva e, e em seguida, em ciúme ou baixa auto-estima, ou em qualquer um de nossos velhos hábitos que costumamos manifestar. Na verdade, a raiva é a reação quando o apego não consegue o que quer. Todos esses pressupostos estão enraizados tão profundamente dentro de nós, e nós acreditamos totalmente nessas histórias, que parece ridículo mesmo questioná-las. Mas precisamos. E a única maneira que podemos fazer isso, é conhecendo nossas próprias mentes e sentimentos: em outras palavras, é preciso aprender a ser nossos próprios terapeutas.
O fato é que o apego, a raiva, o ciúme e qualquer outra emoção aflitiva não estão gravadas em pedra; eles são velhos hábitos, e sabemos que podemos muda-los. O primeiro passo é ter a certeza de que, conhecendo bem nossas próprias mentes, podemos aprender a distinguir as várias emoções dentro de nós e, gradualmente, aprender a mudá-las. O primeiro desafio envolve realmente acreditar que você pode fazer isso. E isso apenas, já é algo enorme - sem essa confiança, estamos presos e empacados.
A próxima etapa é dar um passo para trás de toda a conversa sem fim em nossas mentes. Uma maneira muito simples de fazer isso - é tão básico que é chato! - é, apenas alguns minutos todas as manhãs, antes de começarmos o nosso dia, se sentar e focar em algo. A respiração é um bom começo. Não é nada de especial; não há nenhum truque; não é algo místico. É uma técnica psicológica prática. Com determinação você pode decidir ter atenção plena na respiração - na sensação em suas narinas enquanto você inspira e expira. No momento em que sua mente divagar, traga seu foco de volta para a respiração. O objetivo não é fazer os pensamentos irem embora; mas não se envolver com eles, e aprender a deixá-los ir e vir.
O resultado a longo prazo de uma técnica como esta é uma mente super focada, e isso vai levar tempo. Mas o benefício quase imediato será que, à medida que experimentamos dar um passo para trás de todas as histórias em nossa cabeça, nós começaremos a ser objetivos sobre essas histórias e lentamente começamos a desvendar, desconstruir e, eventualmente, mudá-las. Diz-se que um dos sinais que estamos indo bem na prática é ter a impressão que estamos cada vez pior! Mas nós não estamos. Estamos começando a ouvir as histórias de forma mais clara, ai então é que podemos começar a mudá-las.
Texto de Robina Courtin, publicado originalmente em inglês e traduzido por Luís Oliveira.
"Podemos ficar confusos e pensar que o outro é a fonte de nosso deleite – a pílula de amor a ser engolida. O amor mal compreendido torna-se apego obstinado. Acreditamos que o objeto de nosso amor é uma permanente fonte de alegria. Voltamos e continuamos querendo mais. Estamos confundindo amor com fixação, que traz sofrimento, e não alegria. A fonte de alegria permanente é nosso amor, não a outra pessoa.
Estar apaixonado por alguém em particular ajuda-nos a conhecer a alegria que emana quando cuidamos da felicidade dos outros. Pensamos em como deixar a pessoa feliz – o que lhe dar, o que dizer, o que fazer. Mas o verdadeiro amor não depende de nenhum objeto. O verdadeiro amor é a energia natural da mente estabilizada, um recurso inexaurível que cultivamos."
—Sakyong Mipham Rinpoche