Feedback da realidade
Se você esmurra uma parede, dói — mas a parede não fez nada além de apresentar sua natureza na relação com nosso movimento. Nosso sofrimento é uma espécie de mecanismo de feedback da realidade.
O sofrimento surge de uma relação inadequada com o mundo, parecido com o que aconteceria se uma pessoa vendada andasse por uma exposição de vidros, cristais e objetos pontiagudos belíssimos: aquilo que poderia ser fonte de deleite começa a nos cortar. Do mesmo modo, se ignoramos a natureza impermanente, livre, aberta, plástica, não segurável da vida, nos afligimos sempre que tal liberdade se apresenta dançando na nossa frente.
Se eu olhar para um céu azul, me apaixonar, tirar fotos e ficar fascinado por aquela tonalidade luminosa específica, vou me sentir traído quando o céu mudar. “Céu, por que você fez isso comigo? Cadê você? Volte, por favor!” Mas o céu não fez nada. Eu é que me fixei e construí uma relação com base na ignorância, no não reconhecimento do que é um céu. Assim fazemos com pessoas, lugares, objetos, situações…
Quando operamos sem sabedoria, damos o poder para qualquer coisa nos trair. Vamos nos sentir traídos pela vida na hora da morte, pelos outros, por objetos… Mas não há nada nos traindo, somos nós que não estamos percebendo a natureza impermanente e dinâmica dos fenômenos.
Um bom exemplo de relação lúcida é a que temos com um filme no cinema. É raro o filme acabar e alguém se desesperar durante os créditos: “Meu deus… O que aconteceu? Eles estão prestes a conseguir… Por que estão aparecendo essas letrinhas? Eu estava junto deles, como encontro com eles pra continuar?” Não, a gente se levanta com toda a tranquilidade, sem nem precisar pensar “Isso é um filme”. Quando sabemos que um filme é um filme, não há sofrimento absoluto: mesmo com a cara inchada e molhada, levantamos, vamos ao banheiro, sorrimos e logo pensamos no jantar.
Nesse sentido, o sofrimento é o recado da realidade, é o jeito que nossa natureza de buda encontra para nos acordar. É uma bênção! O sofrimento garante que nunca ficaremos aprisionados por muito tempo. Como nossa mente é ampla, toda vez que tentamos estreitá-la ficamos insatisfeitos: a insatisfação é protetora! O sofrimento é o espaço invadindo as bolhas, a realidade puxando o tapete do engano, a vida nos dizendo: “o controle não dá certo”, “viu? apego gera dor”, “você é bem mais amplo do que essa identidade que está assumindo…” Sem sofrimento, ficaríamos para sempre em alguma bolha. O sofrimento garante que não vamos descansar até realizar a mais profunda sabedoria que vê diretamente a natureza da realidade. O sofrimento garante a nossa iluminação.
Quer aprofundar nessa visão?
O Lugar vai começar um grupo de estudos online de 12 semanas sobre a visão de sabedoria além de bolhas e fixações — com base no livro O poder de uma pergunta aberta, da maravilhosa Elizabeth Mattis-Namgyel.