A Neurociência tem muito a aprender com as tradições contemplativas

O treinamento da mente pode nos tornar mais atenciosos, altruístas e serenos? Nós podemos aprender a gerenciar nossas emoções perturbadoras de uma maneira ideal? Quais são as transformações que ocorrem no cérebro quando praticamos meditação? Em um novo livro intitulado Beyond the Self, dois amigos – Matthieu Ricard, que deixou uma carreira como biólogo molecular para tornar-se um monge budista no Nepal, e Wolf Singer, um distinto neurocientista – se engajam em uma conversa incomumente equiparada sobre meditação e sobre o cérebro. Abaixo está uma extração condensada e editada.

Matthieu Ricard: Apesar de encontrarmos muitos tratados sobre “ciências tradicionais” na literatura budista – medicina, cosmologia, botânica, lógica e assim por diante – o budismo tibetano não tem se esforçado da mesma forma que as civilizações ocidentais para expandir o conhecimento do mundo através das ciências naturais. Ao invés disso, ele tem perseguido uma investigação exaustiva da mente por 2500 anos e tem acumulado, de forma empírica, uma vastidão de descobertas experienciais ao longo dos séculos. Um grande número de pessoas têm dedicado suas vidas inteiras a essa ciência contemplativa.

A psicologia moderna ocidental começou com William James a apenas um século atrás. Eu não consigo evitar de lembrar da observação feita por Stephen Kosslyn, então catedrático do departamento de psicologia de Havard, no encontro do Mind and Life intitulado “Investigando a Mente”, que aconteceu no MIT em 2003. Ele começou sua apresentação dizendo: “eu quero começar com uma declaração de humildade perante a presença da enorme quantidade de dados que os contemplativos estão trazendo para a psicologia moderna.”

Não se faz suficiente refletir a respeito de como a psique humana funciona e elaborar teorias complexas sobre isso, como fez Freud, por exemplo. Tais construções intelectuais não podem substituir dois milênios de investigação direta do funcionamento da mente através da introspecção penetrante conduzida por mentes treinadas que se tornaram ambas estáveis e claras.

Wolf Singer: Você poderia ser mais específico a respeito dessa afirmação um tanto ousada? Por que aquilo que a natureza nos deu deveria ser fundamentalmente negativa, exigindo uma prática mental especial para sua eliminação, e por que essa abordagem deveria ser superior a educação convencional ou, se há algum conflito, a psicoterapia em suas variadas formas, incluindo a psicanálise?

Ricard: O que a natureza nos deu não é, de forma alguma, inteiramente negativo; é apenas um parâmetro. Poucas pessoas honestamente argumentariam que não há nada que valha a pena melhorar a respeito da forma com que vivem e da forma como experienciam o mundo. Algumas pessoas consideram suas próprias fragilidades e conflitos emocionais como uma valorosa e distinta parte de sua “personalidade”, como algo que contribui para a completude de suas vidas. Elas acreditam que isso é o que as tornam únicas e argumentam que elas deveriam aceitar a si mesmas como elas são. Mas não seria essa uma maneira fácil de desistir da ideia de melhorar a qualidade de suas vidas, o que custaria somente um pouco de raciocínio e esforço?

A educação moderna convencional não foca em transformar a mente e em cultivar qualidades humanas básicas como bondade amorosa e atenção plena. Como veremos mais tarde, a ciência contemplativa budista possui muitas coisas em comum com terapias cognitivas, em particular com aquelas que se utilizam de atenção plena como uma fundação para remediar o desequilíbrio emocional. Quanto a psicanálise, ela parece encorajar a ruminação e a exploração sem fim dos detalhes e complexidades das nuvens de confusão mental e auto-centramentos que mascaram o aspecto mais fundamental da mente: a consciência luminosa.

Singer: Então a ruminação seria o oposto daquilo que você faz durante a meditação?

Ricard: Totalmente o oposto. Também é bastante conhecido que a ruminação constante é um dos principais sintomas da depressão. O que nós precisamos é adquirir a liberdade das reações mentais em cadeia que essa ruminação perpetua infinitamente. A pessoa deveria aprender a deixar com que os pensamentos surjam e estejam livres para ir embora no momento em que surgem, ao invés de permitir que eles invadam a sua mente. No frescor do momento presente, o passado se foi, o futuro ainda está para nascer e, se a pessoa permanece em pura atenção plena e liberdade, pensamentos potencialmente incômodos surgem e se vão sem deixar traços.

Singer: Assim, o que você precisa aprender é a adotar uma abordagem muito mais sutil com relação ao seu teatro emocional interno. Aprender a identificar as várias conotações dos seus sentimentos com uma resolução muito mais alta.

Ricard: Isso mesmo. No começo, é difícil fazê-lo assim que uma emoção surge, mas se você se torna cada vez mais familiar com tal abordagem, isso se torna bastante natural. Sempre que a raiva está apenas mostrando sua face, nós a reconhecemos de imediato e lidamos com ela antes que ela se torne forte demais.

Singer: Não é diferente de um empenho científico, exceto que o esforço analítico é direcionado para o mundo interno ao invés do mundo externo. A ciência também tenta compreender a realidade através do aumento do poder de resolução dos instrumentos, do treinamento da mente para agarrar relações complexas e da decomposição de sistemas em componentes cada vez menores.

Ricard: É dito nos ensinamentos budistas que não há tarefa tão difícil que não possa ser quebrada em uma série de tarefas pequenas e fáceis.

Singer: Seu objeto de investigação parece ser o aparato mental e sua ferramenta de análise, a introspecção. Essa é uma abordagem auto-referencial interessante que difere da ciência ocidental da mente porque enfatiza a perspectiva em primeira pessoa e colapsa, num certo sentido, o instrumento de investigação com seu objeto. A abordagem ocidental, enquanto usa a perspectiva da primeira pessoa para definir o que é fenômeno mental, claramente favorece a perspectiva da terceira pessoa para sua investigação.

Eu estou curioso para descobrir se os resultados da introspecção analítica coincidem com aqueles obtidos pela neurociência cognitiva. Ambas abordagens obviamente tentam desenvolver uma visão diferenciada e realista dos processos cognitivos.

O que garante que a técnica introspectiva para a dissecação mental dos fenômenos é confiável? Se esse é o consenso entre aqueles que se consideram especialistas, como você pode comparar e validar estados mentais subjetivos? Não há nada que outra pessoa possa observar e julgar como válido; os observadores podem confiar apenas no testemunho verbal dos estados subjetivos.

Ricard: O mesmo acontece com o conhecimento científico. Primeiro você precisa confiar no testemunho credível de um número de cientistas, mas depois você pode treinar-se no tema e verificar as descobertas em primeira mão. Isso é bastante similar às ciências contemplativas. Primeiro você precisa refinar o telescópio da sua mente e os métodos de investigação durante anos para descobrir, por si próprio, o que outros contemplativos encontraram e concordaram entre si a respeito do que foi encontrado. O estado de pura consciência sem conteúdo, que pode soar intrigante a primeira vista, é algo que todos os contemplativos têm experienciado. Então não se trata de apenas algum tipo de teoria dogmática budista. Qualquer um que assume o problema de estabilizar e esclarecer a sua mente será apto ou apta a experienciá-la.

A respeito de validações cruzadas de experiências interpessoais, ambos contemplativos e os textos que tratam das várias experiências que um meditante poderia encontrar são bastante precisos em suas descrições. Quando um estudante relata sobre seus estados mentais para um mestre de meditação experiente, as descrições não são apenas vagas e poéticas. O mestre irá fazer perguntas precisas e o estudante as responde, e fica bastante claro que eles estão falando sobre algo que é bem definido e mutuamente compreendido.

No entanto, ao fim, o que realmente importa é a maneira com que a pessoa vai mudando gradualmente. Se, após meses ou anos, alguém se torna menos impaciente, menos inclinado à raiva e menos dilacerado por esperanças e medos, então o método que ele ou ela têm usado é um método válido.

Um estudo que vem sendo feito parece indicar que, enquanto engajados na meditação, praticantes conseguem distinguir claramente, como qualquer outra pessoa que não esteja distraída, entre estímulos agradáveis e aversivos, porém eles reagem muito menos emocionalmente do que os sujeitos no grupo controle. Enquanto mantêm a capacidade de se estar totalmente ciente de algo, eles conseguem não ser carregados por suas respostas emocionais.

Singer: Como você faz isso? Quais são as ferramentas?

Ricard: Esse processo requer perseverança. Você precisa treinar de novo e de novo. Você não pode aprender a jogar tênis por meio de segurar uma raquete durante alguns minutos a cada tantos meses. Com a meditação, o esforço é voltado ao desenvolvimento não de uma habilidade física, mas de um enriquecimento interno.

Em casos extremos, você poderia estar num simples convento onde nada muda ou a sentar-se sozinho de frente para a mesma cena todos os dias. Assim, o enriquecimento externo é quase nulo, porém o enriquecimento interno é máximo. Você está treinando sua mente durante o dia todo com pouco estímulo externo. Além disso, tal enriquecimento não é passivo, mas voluntário e metodicamente direto. Quando você se engaja por oito horas ou mais ao dia no cultivo de certos estados mentais que você decidiu cultivar e que você tem aprendido a cultivar, você reprograma o seu cérebro.

Singer: Num certo sentido, você faz do seu cérebro o objeto de um processo cognitivo sofisticado que se volta para dentro ao invés de para fora, para o mundo em sua volta. Você aplica as habilidades cognitivas do cérebro para estudar a sua própria organização e funcionamento, e você o faz de uma maneira intencional e focada, similar a quando você participa de eventos no mundo externo e a quando você organiza sinais sensoriais em percepções coerentes. Você atribui valores a certos estados e tenta aumentar a sua predominância, que provavelmente segue junto a uma mudança na conexão sináptica, mais ou menos da mesma forma que isso ocorre com o processo de aprendizado resultante de interações com o mundo externo.

Talvez nós possamos recapitular brevemente como o cérebro humano se adapta ao ambiente, pois esse processo de desenvolvimento também pode ser visto como uma modificação ou reprogramação de suas funções. O desenvolvimento cerebral é caracterizado por uma proliferação massiva de conexões e é paralelo a um processo de moldagem através do qual as conexões que estão sendo formadas são estabilizadas ou deletadas, de acordo com o critério funcional, usando experiência e interação com o ambiente como seu critério de validação. Essa reorganização de desenvolvimento continua até os 20 anos de idade, aproximadamente. Os estados iniciais servem para o ajuste das funções sensoriais e motoras, e as fases posteriores envolvem primeiramente os sistemas do cérebro responsáveis por habilidades sociais. Uma vez que esses processos de desenvolvimento chegam ao fim, a conectividade do cérebro se torna fixa e mudanças em grande escala não são mais possíveis.

Ricard: Até certo ponto.

Singer: Sim, até certo ponto. As conexões sinápticas existentes permanecem modificáveis, mas você não consegue mais criar novas conexões de longo alcance. Em algumas regiões distintas do cérebro, como o hipocampo e o bulbo olfatório, novos neurônios são gerados ao longo da vida e inseridos nos circuitos existentes, mas esse processo não é de larga escala, ao menos não no neocórtex, onde funções cognitivas mais elevadas são supostamente percebidas.

Ricard: Um estudo com pessoas que praticaram meditação por um longo período de tempo demonstra que conexões estruturais entre diferentes áreas do cérebro são maiores em meditantes do que em grupos controle. Consequentemente, deve haver outro tipo de mudança permitida pelo cérebro.

Singer: Eu não encontro dificuldade em aceitar que o processo de aprendizado pode mudar disposições comportamentais, mesmo em adultos. Existe ampla evidência disso vinda de programas de reeducação onde a prática leva a pequenas, porém complementares modificações comportamentais. Também existe evidência de mudanças bastante dramáticas e repentinas na cognição, nos estados emocionais e nas estratégias de sobrevivência. Nesse caso, os mesmos mecanismos que dão suporte ao aprendizado – mudanças distribuídas na eficiência das conexões sinápticas – levam a drásticas alterações de estados cerebrais globais.

Ricard: Você também poderia mudar o fluxo da atividade neural, como quando o tráfego em uma rodovia aumenta significativamente.

Singer: Sim. O que muda com o aprendizado e o treinamento no adulto é o fluxo de atividade. O hardware fixo das conexões anatômicas é bastante estável após os 20 anos, mas ainda é possível encaminhar com flexibilidade a atividade de A à B ou de A à C através da adição de certas assinaturas à atividade que assegura que um dado padrão de ativação não seja transmitido de maneira difusa para todas as regiões conectadas do cérebro, mas encaminhada apenas para áreas específicas selecionadas.

Ricard: Até então, os resultados dos estudos conduzidos por meditantes treinados indicam que eles têm a faculdade de gerar estados de mente nítidos, poderosos e bem definidos, e essa faculdade é associada a alguns padrões cerebrais específicos. O treinamento mental possibilita que a pessoa gere esses estados por escolha e possa modular a sua intensidade mesmo quando confrontados com circunstâncias perturbadoras, como fortes estímulos emocionais positivos ou negativos. Portanto, a pessoa adquire a faculdade de manter um equilíbrio emocional em geral que favorece a força e a paz interior.

Singer: Então você precisa usar suas habilidades cognitivas para identificar os vários estados emocionais mais claramente e delineá-los de maneira mais precisa, e treinar seus sistemas de controle, provavelmente localizados no lóbulo frontal, para aumentar ou diminuir seletivamente as atividades dos subsistemas responsáveis pela geração das várias emoções.

Uma analogia para esse processo de refinamento poderia ser a diferenciação aprimorada dos objetos da percepção, que conhecidamente depende do aprendizado. Com apenas um pouco de experiência, você é apto a reconhecer um animal como um cachorro. Com mais experiência, você pode afiar o seu olho e tornar-se apto a distinguir, com cada vez maior precisão, cachorros que se parecem semelhantes. Da mesma forma, o treinamento mental pode permitir que você afie o seu olho interno para a distinção de estados emocionais.

No estado de ingenuidade, você está apto a distinguir sentimentos bons e maus somente de uma maneira global. Com prática, essas distinções tornariam-se cada vez mais refinadas até que você pudesse distinguir mais e mais nuances. A taxonomia dos estados mentais deveria, portanto, tornar-se mais diferenciada. Se esse é o caso, então culturas que exploram treinamentos mentais como uma fonte de conhecimento deveriam possuir um vocabulário mais rico para estados mentais do que culturas que são mais interessadas na investigação dos fenômenos do mundo externo.

Ricard: A taxonomia budista descreve 58 eventos mentais principais e várias subdivisões a partir disso. É verdade que através da condução de uma investigação aprofundada dos eventos mentais, a pessoa se torna apta a distinguir nuances cada vez mais sutis.

Tome a raiva, por exemplo. Geralmente a raiva pode ter um componente malévolo, mas também pode ser uma indignação de direito ao deparar-se com uma injustiça. A raiva pode ser uma reação que nos permite ultrapassar rapidamente um obstáculo que nos ameaça. Contudo, ela poderia também refletir uma tendência a se ter pavio curto. Se você olha para a raiva com cuidado, você verá que ela contém aspectos de clareza, foco e efetividade que não são prejudiciais em si mesmas. Então, se você está apto a reconhecer esses aspectos que ainda não são negativos e a deixar que sua mente permaneça neles, sem escorregar para dentro dos aspectos destrutivos, você não será perturbado e confundido por estas emoções.

Outro resultado do cultivo de habilidades mentais é que, após algum tempo, você não precisará mais aplicar esforços artificiais. Você consegue lidar com o surgimento de perturbações mentais assim como as águias que vejo da janela do meu mosteiro no Himalaya. Os corvos geralmente as atacam, ainda que eles sejam muito menores. Eles mergulham em direção às águias a partir de cima tentando acertá-las com seu bico. No entanto, ao invés de ficarem alarmadas e moverem-se tentando evitar os corvos, as águias simplesmente retraem uma asa no último momento, deixando o corvo mergulhador passar direto, e então a estendem novamente. A coisa toda exige o mínimo de esforço e é perfeitamente eficiente. Ser experiente em lidar com o surgimento repentino das emoções na mente funciona de uma maneira similar. Quando você está apto a preservar um estado claro de atenção, você vê os pensamentos surgirem; você os deixa passar pela sua mente sem tentar bloqueá-los ou encorajá-los; e eles desaparecem sem criar muitas ondas.

Singer: Isso me lembra o que nós fazemos quando encontramos dificuldades severas que requerem soluções rápidas, como uma situação de tráfego complicada. Nós imediatamente convocamos um largo repertório de estratégias de escapatória que aprendemos e praticamos, e aí escolhemos dentre elas sem pensar muito, confiando principalmente na heurística subconsciente. Aparentemente, se nós não temos experiência com práticas contemplativas, nós não passamos pela auto-escola para gerenciamento de conflitos emocionais. Você diria que essa é uma analogia válida?

Ricard: Sim, situações complexas tornam-se enormemente simplificadas através do treinamento e do cultivo de atenção sem esforço. Quando você aprende a andar a cavalo, enquanto iniciante, você fica constantemente preocupado, tentando não cair a cada movimento que o cavalo faz. Especialmente quando o cavalo começa a galopar, isso te coloca em estado de alerta. Mas quando você se torna um cavaleiro experiente, tudo se torna mais fácil. Cavaleiros no leste do Tibet, por exemplo, conseguem fazer todo tipo de acrobacias, como atirar flechas em alvos ou agarrar coisas no chão enquanto se galopa a toda velocidade, e eles fazem tudo isso tranquilos e com um grande sorriso no rosto.

Um estudo com meditantes mostrou que eles conseguem manter sua atenção em um nível ideal por longos períodos de tempo. Quando realizando o que é chamado de performance de tarefa contínua, mesmo após 45 minutos eles não ficaram tensos e não ficaram distraídos nem por um momento. Quando eu mesmo fiz essa tarefa, eu notei que os primeiros minutos foram desafiadores e exigiram algum esforço, mas uma vez que eu entrei num estado de “fluxo de atenção,” se tornou mais fácil.

Singer: Isso se assemelha a uma estratégia geral que o cérebro aplica quando adquire novas habilidades. No estado inocente, a pessoa usa o controle consciente para fazer a tarefa. A tarefa é quebrada em uma série de sub-tarefas que são executadas em sequência. Isso requer atenção, leva tempo e requer esforço. Mais tarde, após praticar, o desempenho se torna automatizado. Geralmente, a execução da habilidade comportamental então é realizada por diferentes estruturas cerebrais daquelas envolvidas no aprendizado inicial e execução da tarefa. Uma vez que essa mudança ocorre, o desempenho se torna automático, rápido e sem esforço, e não mais exigindo controle cognitivo. Esse tipo de aprendizado é chamado de aprendizado processual e requer prática. Tais habilidades automatizadas geralmente o salvam de situações difíceis porque você as consegue acessar rapidamente. Elas geralmente conseguem lidar também com mais variáveis simultaneamente, devido a processos paralelos. O processamento consciente é mais serializado e, portanto, leva mais tempo.

Você acha que consegue aplicar a mesma estratégia de aprendizado às suas emoções através de aprender a prestar atenção nelas, a diferenciá-las, e assim familiarizar-se com suas dinâmicas para que mais tarde você seja apto a confiar em rotinas automatizadas para o seu gerenciamento em caso de conflito?

Ricard: Você parece estar descrevendo o processo de meditação. Nos ensinamentos, é dito que quando alguém começa a meditar, sobre compaixão, por exemplo, a pessoa experiencia uma forma artificial, forçada de compaixão. No entanto, através de gerar compaixão, de novo e de novo, ela se torna instintiva e surge espontaneamente, mesmo que no meio de uma situação complexa e desafiadora.

Singer: Seria muito interessante olhar com ferramentas neurobiológicas para se você possui a mesma mudança de função que é observada em outros casos onde a familiarização através do aprendizado e do treinamento levam ao processo de automação. Ao analisar o cérebro, observa-se que diferentes estruturas cerebrais assumem o comando quando habilidades que são inicialmente adquiridas sob o controle da consciência se tornam automáticas.

Ricard: Isso é o que um estudo conduzido pelo laboratório de Julie Brefczynski e Antoine Lutz Richard Davidson parecem indicar. Brefczynski e Lutz estudaram as atividades cerebrais de meditantes novatos, relativamente experientes e muito experientes enquanto eles se dedicavam a atenção focada. Diferentes padrões de atividade foram observados dependendo do nível de experiência dos praticantes.

Meditantes relativamente experientes (com um entorno de 19.000 horas de prática) mostraram maior atividade nas regiões do cérebro relacionadas à atenção comparados aos novatos. Paradoxalmente, os meditantes mais experientes (com um entorno de 44.000 horas de prática) demonstraram uma menor ativação do que aqueles sem tanta experiência. Estes meditantes altamente avançados aparentam adquirir um nível de habilidade que os permite atingir um estado de mente focado com menos esforço. Esses efeitos lembram a habilidade de musicistas e atletas experientes capazes de mergulhar a si mesmos no “fluxo” de suas performances com um senso mínimo de controle por esforço. Essa observação vai de acordo com outros estudos que demonstram que, quando alguém consegue a maestria de uma tarefa, as estruturas cerebrais colocadas em jogo durante a execução dessa tarefa geralmente são menos ativas do que elas eram quando o cérebro ainda estava na fase de aprendizado.

Singer: Isso sugere que os códigos neurais se tornam mais dispersos, talvez envolvendo menores quantidades de neurônios, porém mais especializados, uma vez que habilidades tornam-se altamente familiares e são executadas com grande perícia. Para tornar-se um verdadeiro especialista, isso parece exigir deles ao menos a mesma quantidade de treinamento que é exigida para tornar-se um violinista ou um pianista de nível mundial. Com quatro horas de prática por dia, te levaria 30 anos de prática diária para atingir 44.000 horas. Extraordinário!

 

Artigo publicado originalmente em theatlantic.com e traduzido por Fábio Valgas