Menos empatia, mais bondade
Você provavelmente está familiarizado com a ideia de que você pode se sentir sobrecarregado com o sofrimento dos outros. Isso é as vezes chamado de “burnout”, uma palavra cunhada nos anos 70. Mas não é um novo insight; a ideia tem muitas origens, incluindo, para minha supresa, a Teologia Budista.
Eu aprendi sobre isso primeiro em uma discussão que eu tive com Matthieu Ricard, o monge budista e neurocientista, descrito por muitos como “o homem mais feliz da Terra”. Nosso encontro foi por acaso – estávamos fazendo checking em um hotel nos arredores de Londres para uma conferência onde nós dois estaríamos falando. Eu o reconheci na recepção (trajes cor de açafrão, sorriso beatífico, difícil de perder), me apresentei e nos reunimos mais tarde para o chá.
Foi uma reunião interessante. Ele realmente transmite paz interior, e me disse que passa meses de cada ano em total solidão, obtendo profundo prazer disso. (Foi essa conversa que me levou a adotar práticas meditativas, porém um pouco diferentes.) A certa altura, ele me perguntou educadamente em que eu estava trabalhando. Agora parece que na época, dizer a alguém como Ricard que você está escrevendo um livro contra a empatia era como dizer a um rabino ortodoxo que você está escrevendo um livro em favor do marisco, e me senti estranho descrevendo meu projeto. Mas eu fiz, e sua reação à minha conversa tosca sobre empatia me surpreendeu.
Ele não achou chocante; em vez disso, ele achou isso obviamente correto e passou a descrever o quão bem isso combina com a filosofia budista e com sua própria pesquisa colaborativa com Tania Singer, uma proeminente neurocientista.
Considere primeiro a vida de um bodhisattva, uma pessoa iluminada que promete não passar para o Nirvana, preferindo permanecer no ciclo normal de vida e morte para ajudar as massas não iluminadas. Como é que um bodhisattva vive?
Em seu livro sobre filosofia moral budista, Charles Goodman observa que os textos budistas distinguem entre “compaixão sentimental”, que corresponde ao que chamaríamos de empatia, e “grande compaixão”, que é o que simplesmente chamaríamos de “compaixão”. A primeira deve ser evitada, pois “exaurirá o bodhisattva”. É a segunda que vale a pena perseguir. Grande compaixão é mais distanciada e reservada, e pode ser sustentada indefinidamente.
Essa distinção entre empatia e compaixão é fundamental para o argumento que faço ao longo do meu livro Contra a Empatia. E é apoiado pela pesquisa em neurociência. Em um artigo de revisão, Tania Singer e Olga Klimecki descrevem como dão sentido a essa distinção: “Em contraste com a empatia, compaixão não significa compartilhar o sofrimento do outro: ao invés disso é caracterizada por sentimentos de calor, preocupação e cuidado o outro, bem como uma forte motivação para melhorar o bem-estar do outro. A compaixão é sentir pelo outro e não se sentir com o outro ”.
A diferença neurológica entre os dois foi explorada em uma série de estudos de fMRI que usaram Ricard como sujeito. Enquanto estava no scanner, Ricard foi convidado a se engajar em vários tipos de meditação da compaixão dirigida a pessoas que estão sofrendo. Para surpresa dos investigadores, seus estados meditativos não ativaram as partes do cérebro associadas ao sofrimento empático – aquelas que normalmente são ativadas por não-meditadores quando pensam sobre a dor alheia. E a experiência de Ricard foi agradável e revigorante. Uma vez fora do ímã, Ricard descreveu-o como: “um estado positivo e caloroso associado a uma forte motivação pró-social”.
Ele foi então convidado a se colocar em um estado empático e foi escaneado enquanto fazia isso. Agora, os circuitos de empatia apropriados eram ativados: o cérebro dele parecia o mesmo dos que não eram professores, que eram convidados a pensar sobre a dor dos outros. Mais tarde, Ricard descreveu a experiência: “O compartilhamento empático … muito rapidamente tornou-se intolerável para mim e eu me senti emocionalmente exausto, muito semelhante a estar esgotado. Depois de quase uma hora de ressonância empática, foi-me dada a escolha de me envolver em compaixão ou terminar de escanear. Sem a menor hesitação, concordei em continuar a escanear com a meditação da compaixão, porque me senti muito esgotado depois da ressonância empática.”
Vê-se um contraste semelhante nos experimentos em andamento, liderados por Singer, em que pessoas normais – não-meditadores – foram treinadas para experimentar empatia ou compaixão. No treinamento de empatia, as pessoas eram instruídas a tentar sentir o que os outros estavam sentindo. No treinamento da compaixão – às vezes chamado de “meditação da bondade amorosa” – o objetivo é sentir pensamentos positivos e calorosos em relação a uma série de pessoas imaginadas, começando com alguém próximo a você e movendo-se para estranhos e, talvez, para inimigos.
Há uma diferença neural: o treinamento de empatia levou a uma ativação aumentada na ínsula e no córtex cingulado anterior. O treinamento de compaixão levou à ativação em outras partes do cérebro, como o córtex orbitofrontal medial e o estriado ventral.
Existe também uma diferença prática. Quando as pessoas foram solicitadas a ter empatia com aqueles que estavam sofrendo, elas acharam isso desagradável. O treinamento de compaixão, em contraste, levou a melhores sentimentos por parte do meditador e comportamento mais gentil em relação aos outros.
Em um resumo de sua pesquisa, Singer faz o seguinte ponto:
Quando experimentado cronicamente, o sofrimento empático provavelmente dá origem a resultados negativos na saúde. Por outro lado, respostas compassivas baseiam-se em sentimentos positivos, orientados para o outro e na ativação de motivação e comportamento pró-social. Diante dos efeitos potencialmente prejudiciais do sofrimento empático, a descoberta da plasticidade existente das emoções sociais adaptativas é encorajadora, especialmente porque o treinamento da compaixão não apenas promove o comportamento pró-social, mas também aumenta o afeto positivo e a resiliência, o que favorece um melhor enfrentamento das situações estressantes. Isso abre muitas oportunidades para o desenvolvimento direcionado de emoções sociais adaptativas e motivação, o que pode ser particularmente benéfico para pessoas que trabalham em profissões de ajuda ou em ambientes estressantes em geral.
Isso se conecta bem com as conclusões de David DeSteno e seus colegas, que descobriram em estudos experimentais controlados, que ser treinado em meditação mindfulness (em oposição a uma condição de controle em que as pessoas são treinadas em outras habilidades cognitivas) torna as pessoas mais gentis e mais dispostas a ajudar. DeSteno e seus colegas argumentam que a meditação mindfulness “reduz a ativação das redes cerebrais associadas à simulação dos sentimentos das pessoas em perigo, em favor de redes associadas a sentimentos de afiliação social”. Ele cita o estudioso budista Thupten Jinpa: “o treinamento permite que os praticantes se movam rapidamente de sentir o sofrimento dos outros para agir com compaixão para aliviá-lo.”
Menos empatia, mais bondade.
Esses estudos se baseiam nas alegações daqueles psicólogos e neurocientistas que acreditam que a compaixão e a empatia estão necessariamente interligadas. Em respostas críticas a um artigo anterior que escrevi, Leonard Christov-Moore e Marco Iacoboni afirmaram que “a empatia afetiva é uma precursora da compaixão”, e Lynn E. O’Connor e Jack W. Berry escreveram: “Não podemos sentir compaixão sem primeiro sentir empatia emocional. De fato, a compaixão é a extensão da empatia emocional por meio de processos cognitivos”.
É difícil saber o que fazer com essas afirmações, considerando todas as situações cotidianas em que nos importamos com as pessoas e as ajudamos sem nos envolvermos com empatia emocional. Eu posso me preocupar com uma criança que tem medo de uma tempestade e buscá-la e consolá-la sem experimentar seu medo minimamente. Eu posso estar preocupado com pessoas famintas e tentar apoiá-las sem ter nenhuma experiência vicária de passar fome. E agora a pesquisa que acabamos de discutir apóia uma conclusão ainda mais forte. Não só a compaixão e a bondade podem existir independentemente da empatia, mas às vezes são opostas. Às vezes somos pessoas melhores se suprimirmos nossos sentimentos empáticos.
Esse artigo foi originalmente publicado em Garrison Institute e traduzido por Daniele Vargas.